22 de fevereiro de 2012

Banco do Brasil e o Opus 81a. de Beethoven: qual a conexão?

Uma das maiores recompensas pessoais quando se estuda música e seus processos históricos ocorre quando conseguimos realizar conexões entre eventos aparentemente distantes e sem relação, seja entre passagens da própria história da música ou entre algo dela com a história mundial. E é só depois que conseguimos realizar a conexão que percebemos o quanto ela era óbvia.

Imagine você, cidadão, andando pelo centro de sua cidade com uma fatura qualquer na mão. Você precisa pagá-la e, coincidentemente, o banco mais próximo de você é uma agência do Banco do Brasil. Qual não é sua inocência, pois você está, sem saber, adentrando um recinto de um estabelecimento cuja história o liga a uma das sonatas para piano mais populares de Ludwig van Beethoven (1770-1827).

Napoleão I
Certamente você já ouviu falar e já leu algo a respeito de um dos personagens históricos mais revisitados e conhecidos da história mundial, Napoleão Bonaparte (1769-1821), praticamente um contemporâneo exato de nosso herói musical. E se eu lhe disser que há uma conexão direta entre Beethoven e Napoleão isso não lhe soará estranho: você se lembrará da famosa passagem que envolve a dedicatória da 3a. Sinfonia ("Heróica") do compositor ao então Cônsul Bonaparte, visto por muitos dos jovens de então como a própria encarnação do espírito heróico e revolucionário, que participara da Revolução Francesa e ajudava o mundo a tornar-se um lugar mais pleno de justiça e liberdade para os homens. Beethoven também pensava assim, e por isso dedicou-lhe sua sinfonia, mas deixou de pensar quando Napoleão mostrou sua verdadeira cara ao se auto-coroar Imperador em 1804. O compositor, humanitário até os ossos, sentiu-se traído e rasurou a capa do manuscrito, onde estava a dedicatória de próprio punho, deixando mesmo um buraco no papel. Até aqui tudo bem, passagem bastante conhecida. Mas não falta muito para chegarmos ao Banco do Brasil.

A conexão toda se dá pelo então Imperador, mais precisamente por sua sede de poder. Posta a coroa na cabeça (por ele mesmo, aliás), uma das primeiras providências foi conquistar territórios para a França. O experiente militar por baixo do manto imperial soube reorganizar o exército francês, agora com mais homens e mais recursos, e mandou sua renovada máquina de guerra para vários cantos com o propósito de impor o domínio francês sobre diversos territórios. Isso aconteceu, com menor ou menor intensidade, ao longo de onze anos. 

Quando o temido exército francês se aproximava de alguma cidade, a primeira providência dos membros da nobreza local que ali se encontravam era discretamente sumir para evitar capturas. Dependendo do caso, e do título nobiliárquico, a fuga poderia ser planejada para perto e por pouco tempo, ou por muito tempo em um lugar o mais seguro possível.

D. João VI
Arquiduque Rudolph
Um arquiduque na Áustria e um rei em Portugal, ambos bastante preocupados com a própria integridade física, mais ou menos na mesma época fogem das tropas francesas, e aí começamos a entender a conexão exposta neste texto. Primeiro foi D. João VI (1767-1826), outro quase contemporâneo exato de Beethoven e Napoleão, que no comecinho de 1808 saiu às pressas de Lisboa, levando consigo toda sua corte e ainda mais alguns milhares de portugueses. Vieram todos para um lugar bastante seguro, do outro lado do Atlântico, e você já sabe pra onde. Depois foi o Arquiduque Rudolph da Áustria (1788-1831) que deu um jeito de sumir de Viena em 1809, quando veio a notícia da aproximação das tropas francesas. Mas este não foi pra muito longe e retornou pouco tempo depois, ao contrário do rei lusitano. O que acontece é que o Arquiduque desde 1803 era aluno de Beethoven, e passou rapidamente a ser amigo e patrocinador do compositor. Este não perdeu a oportunidade de homenagear e levemente adular seu patrono: quando o Arquiduque partiu de Viena, Beethoven escreveu uma sonata para piano intitulada "Das Lebewohl" ("O Adeus"), que acabou por constituir o Op. 81a. do compositor, e ser conhecida por seu nome francês, "Les Adieux". Esta sonata, hoje uma das mais famosas do conjunto das trinta e duas, tem três movimentos, e cada um pretende retratar um momento específico. Beethoven intitulou os movimentos de "O Adeus", "A Ausência" e "O Retorno", referindo-se  ao Arquiduque, sendo o segundo movimento melancólico e o terceiro muito festivo, obviamente. Beethoven sabia que, infelizmente, até para um compositor de seu porte manter uma certa política com a nobreza era algo importante para a carreira. Eis esta bela sonata, para quem não conhece, nas mãos de nossa Guiomar Novaes:



Beethoven por volta de seus 30 anos

Beethoven escreve sobre os três primeiros acordes 
as três sílabas da palavra Lebewohl. Numa masterclass,
Alfred Cortot lança a idéia de que esse "adeus" foi 
na verdade para sua amada imortal... Faz todo sentido!




Mas, afinal, e o Banco do Brasil? Ora, chegando ao Brasil, D. João VI passou a tomar uma série de medidas políticas e sócio-econômicas que foram de grande importância para o desenvolvimento da colônia que muito em breve tornaria-se independente. Uma dessas medidas foi a criação do Banco do Brasil, ainda em 1808.

Concluindo: se não houvesse um Napoleão sedento de poder, haveria uma Sinfonia "Bonaparte" e não uma "Heróica", provavelmente a história do Brasil seria bem diferente, talvez não tivéssemos esse Banco do Brasil, o arquiduque não fugiria e não existiria a "Les Adieux". 

Conexões históricas são algo realmente fascinante.











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