Retrato de Franz Schubert (1827) por Anton Depauly, anteriormente atribuído a Joseph Mähler |
A Sinfonia nr. 8 em si
menor, D. 759, de Franz Schubert (1797-1828), conhecida como Inacabada,
causa uma série de dúvidas ao grande público, além de ter vinculadas a ela
algumas lendas que tentam explicar os motivos pelos quais a sinfonia não foi
terminada.
A confusão começa com a numeração, pois, apesar de comumente ela ser aceita
como a "oitava", alguns preferem chamá-la de "sétima". Isso
porque a 7a. de fato (D.729), datada de 1821, existe apenas esquematizada, e só
o início do primeiro movimento foi completamente orquestrado. Existem algumas
tentativas de finalização desta obra, mas, em geral, ela só é lembrada em
termos de numeração. Por isso, os que a consideram como uma obra chamam-na de
sétima, e os que não a consideram assim, simplesmente pulam a contagem, e
chamam a Inacabada de sétima.
De qualquer modo, a grande polêmica sobre a Inacabada gira em torno
dos movimentos que faltam. Teriam sido eles escritos ou não?
Durante muito tempo acreditou-se que o terceiro e o quarto movimentos desta
sinfonia haviam se perdido após a morte de Schubert. Mas essa hipótese caiu por
terra com o conhecimento do fato de que Schubert chegou a esquematizar o
terceiro movimento, um Scherzo, e até mesmo orquestrou alguns compassos dele,
mas simplesmente não continuou.
Outra polêmica, então, surgiu: por que Schubert não concluiu a sinfonia?
Algumas pessoas já acreditaram na história de que ele não o fez por não ter
conseguido criar nada que estivesse à altura dos soberbos dois primeiros
movimentos. Entretanto, isso simplesmente não nos soa verossímil, considerando
a capacidade técnica e criativa de um compositor do status de Schubert. O que
parece mais evidente é que ele simplesmente não se interessou por continuar,
voltando suas energias para outros projetos. Na verdade, considera-se
grandemente a possibilidade de Schubert ter entendido que sua sinfonia deveria
mesmo não ir além dos dois movimentos, e tê-la considerado, posteriormente,
acabada daquela forma. Isso faz sentido quando consideramos a seguinte
história:
Schubert compôs essa sinfonia em 1822. Em meados do ano seguinte, ele solicitou
a seu amigo Anselm Hüttenbrenner que encaminhasse seus manuscritos à
Sociedade de Música de Graz, em agradecimento por ter sido por ela eleito como
um membro honorário. Entretanto, por motivos desconhecidos, os manuscritos não
foram entregues à Sociedade de Música, e desapareceram. Somente em 1865, 37
anos após a morte de Schubert, os manuscritos foram descobertos, e prontamente
uma estréia da obra foi organizada e realizada em Viena. Já então começaram as
especulações sobre a sinfonia.
De imediato, acreditou-se que o Entreato em si menor da música
incidental para Rosamunde teria sido pensado por Schubert como um finale para a sinfonia, e ele foi executado juntamente com ela em sua estréia.
Isso, porém, não passa de conjectura.
Os dois movimentos da Sinfonia Inacabada correspondem a uma grande
inovação na obra sinfônica de Schubert, com sua extrema expressividade e
dimensões alargadas em relação a suas sinfonias anteriores. Isso pode ter soado
ao próprio Schubert como um indicativo de que sua obra dificilmente seria
executada, o que poderia tê-lo desanimado a concluir os outros dois
movimentos. Mas essa é apenas outra hipótese que, apesar de fazer sentido, não
tem como ser provada.
Se Schubert desistiu de concluir sua sinfonia, por qualquer motivo, ou se ele
de fato considerou-a finalizada com seus dois movimentos, no fim das contas são
possibilidades que, provavelmente, nunca serão comprovadas. O fato é que desde
sua estréia esta sinfonia rapidamente estabeleceu-se como uma das mais executadas
e queridas do grande público.
Existem ao menos duas boas tentativas de completar a sinfonia de Schubert. Uma
delas data de 1928, realizada por Frank Merrick, e a outra, mais recente,
é a de Brian Newbould. Esta última é baseada em rascunhos de Schubert para
o Scherzo, e inclui o Entreato de Rosamunde como finale. Ambas as
tentativas, porém, não foram incorporadas aos concertos, permanecendo como
curiosidades.
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Esse texto surgiu há uns 10 anos ou mais, em uma comunidade do falecido Orkut dedicada a Schubert. Em 2008 eu o adaptei e publiquei em um blog meu daqueles tempos, que também foi para o limbo. Considero esse texto como uma boa explanação geral sobre a Inacabada, por isso resolvi republicá-lo neste blog hoje. Espero que gostem, e que seja útil. Abraços!